segunda-feira, 4 de maio de 2015

Academica -- Cícero

Yes, we have in Brazil uma tradução de Academica, o livro de Cícero voltado a epistemologia e descreve o famoso ceticismo acadêmico (ou não tão famoso -- na verdade, pirrônico está na moda e aí fala-se do acadêmico por tabela). Saiu em 2012, feita por José R. Seabra, professor de latim da USP. Foi bilíngue pela Nova Acrópole e traz o título de Acadêmicas.

Também em 2012, mas mais discretamente, Academica saiu em Portugal no volume Textos filosóficos, de Cícero, pela Calouste. Foi traduzida por J. A. Segurado e Campos, e saiu junto com Paradoxos dos estoicos, os fragmentos do Hortênsio e o de Finibus. Acompanha as traduções ainda uma bela introdução com cronologia, história da vida de Cícero e interpretações filosóficas de cada obra traduzida, além exposição atual do estado da arte -- utilíssima para quem quiser se inteirar do debate filosófico acerca de Cícero.

Obras clássicas costumam ter múltiplos estabelecimentos, cada edição com suas notinhas apontando as versões escolhidas dentre manuscritos, incluindo palpites próprios e dos predecessores sobre possíveis erros dos monges copistas. A praxe por aqui, mesmo sem colocar créditos, é usar os estabelecimentos que a Leob Classical Library escolhera. Vejo que a versão usada pelo tradutor brasileiro é a mesma que está no site Perseus, que é a de Otto Plasberg. No meu volume Loeb, editado por Rackham (1932), este fala da existência das edições de John Smith Reid (1884 -- disponível aqui) e de Otto Plasberg (1922 -- disponível aqui). A discrepância entre as duas que notei logo foi que na primeira, bem parecida com a de Rackham, está em I, i, 1: "... atque illum complexi ut mos amicorum est, satis eum longo intervallo ad suam villam reduximus"; e na segunda, assemelhada ao que está no Perseus: "... atque illum complexi, ut mos amicorum est (satis enim longo intervallo **), ad suam villam reduximus." Enfim, senti falta, na tradução brasileira, de alguma observação sobre a edição. Segurado e Campos, por sua vez, anuncia desde a introdução quais são as edições usadas em cada tradução, apontando a de Plasberg para Academica; além disso, tem o mérito de sopesar edições e, quando divergir de Plasberg, pôr nota e explicar a divergência. De resto, cabe apontar uma sigularidade sua: por ter posto os textos todos em ordem cronológica, pôr o Luculo antes do Livro I. É que Academica foi escrita duas vezes: só o último livro dos dois da primeira edição, chamado Lucullus, sobreviveu; ao passo que da segunda, dividida em quatro livros, sobreviveu apenas o primeiro. Daí o costume editorial ser colocar primeiro o livro I, lastimar a falta do II (ou a falta do Catulus, que teria na primeira edição o conteúdo dos livros I e II) e suprir o III e o IV com o Lucullus.

Ao cotejo de Ac, I, i, 3:

SEABRA: "E eu digo: 'Decerto essas obras, Varrão, eu já há muito tempo  expectante não ouso todavia suplicar; ouvi efetivamente da parte de nosso Libão, cuja afeição conheces (pois nada podemos ocultar desse tipo de coisa), que tu as não interrompes, mas delas tratas mais acuradamente e nem uma vez largas das mãos.

SEGURADO E CAMPOS: "'Há bastante tempo, Varrão' -- disse eu --, 'que aguardo esse trabalho, mas não ouso perguntar-te por ele; de resto ouvi nosso amigo Libão, cujos interesses bem conheces, dizer que tu (pois informações destas não é possível esconder) não só não interrompeste o trabalho, mas antes continua a aprofundá-lo com afinco, sem o largar nunca das mãos.

CÍCERO (Plasberg): "Et ego: 'Ista quidem, inquam, Varro iam diu expectans non audeo flagitare; audiui enim e Libone nostro, cuius nosti studium (nihil eius modi celare possumus), non te ea intermittere, sed accuratius tractare nec de manibus unquam deponere.

Agora, Ac. I, ii, 7:

SEABRA: "Ou caso a Zenão sigas, é importante fazer que alguém entenda que é que seja aquele verdadeiro e simples bem que não possa ser separado da honestidade (esse bem qual seja Epicuro nega absolutamente sequer supor sem os moventes prazeres dos sentidos); mas se seguirmos inteiramente a Antiga Academia que nós, como sabes, aprovamos, quão agudamente deverá ser ela explicada por nós, quão argutamente, e quão dissimuladamente até, contra os estoicos se deva dissertar."

SEGURADO E CAMPOS: "Mesmo a um seguidor de Zenão já se torna difícil fazer entender aos leigos em que consiste esse bem verdadeiro e simples, e inseparável do valor moral (bem esse que Epicuro nega poder ser definido, ou sequer conjecturado, sem recurso aos prazeres que afectam os sentidoos). Se arguirmos a teoria da Antiga Academia, que tu sabes ser a adoptada por mim, que perspicácia não é precisa para a explicitarmos bem, que argúcia e profundidade não se exige de nós para argumentarmos contra os Estoicos!"

CÍCERO: "Siue enim Zenonem sequare, magnum est efficere ut quis intellegat quid sit illud uerum et simplex bonum quod non possit ab honestate seiungi (quod bonum quale sit negat omnino Epicurus se sine uoluptatibus sensum mouentibus ne suspicari quidem); si uero Academiam ueterem persequemur, quam ut scis probamus, quam erit illa acute explicanda nobis, quam argute quam obscure etiam contra Stoicos disserendum."

Acho que estes cotejos dão o que pensar a quem defenda a literalidade acima de tudo.

3 comentários:

  1. Muito boas as comparações. Conhece outras traduções de Cícero, tais como "Discussões tusculanas", "A divinação", "A natureza dos deuses"?

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    1. Estive namorando uma portuguesa do De natura deorum, mas não tive acesso a ela. Que eu conheça, e que não estejam comentadas neste blogue, só as restantes deste volume da Calouste, que são o opúsculo Paradoxa stoicorum e fragmentos do Hortensius.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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