sábado, 24 de janeiro de 2015

The Natural History of Religion -- Hume

Eis as referências das versões lusa e brasileira do livro:

HUME, David. História natural da religião in ______. Obras sobre religião. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. Tradução de Pedro Galvão.

HUME, David. História natural da religião. São Paulo: UNESP, 2005. Tradução de Jaimir Conte.

A propósito, são ambos os tradutores, de lá e cá, ex-orientandos de João Paulo Monteiro. A edição portuguesa vem com uma introdução sua e a outra obra que compõe o volume são os Diálogos sobre a religião natural. A de Jaimir Conte tem uma introdução feita por ele próprio e tem ainda notas explicativas.

Ao cotejo:

GALVÃO: "Seção VIII -- Fluxo e refluxo do politeísmo e do teísmo
É notável que os princípios da religião tenham uma espécie de fluxo e refluxo na mente humana, e que os homens possuam uma tendência natural para progredir da idolatria ao teísmo, e para recuar novamente do teísmo à idolatria. Os homens vulgares, ou melhor, toda a humanidade excepto algumas pessoas, sendo ignorantes e incultos, nunca elevam a sua contemplação aos céus ou penetram, através das suas disquisições, na estrutura secreta dos corpos vegetais ou animais a ponto de descobrirem uma mente suprema ou uma providência original que tenha ordenado todas as partes da natureza."

CONTE: "Seção 8 -- Fluxo e refluxo do politeísmo e do monoteísmo
Deve-se assinalar que os princípios religiosos sofrem uma espécie de fluxo e refluxo no espírito humano, e que os homens têm uma tendência natural de elevar-se da idolatria para o monoteísmo, e de recair de novo do monoteísmo para a idolatria. O vulgo, ou seja, na verdade todos os homens exceto uns poucos, por falta de conhecimento e de instrução, nunca levantam os olhos para o céu, nem investigam a estrutura oculta dos vegetais e dos corpos dos animais, a ponto de chegar a descobrir um espírito supremo ou uma providência originária que conferiu ordem a todas as partes da natureza."

HUME: "VIII   FLUX AND REFLUX OF POLYTHEISM AND THEISM
It is remarkable, that the principles of religion have a kind of flux and reflux in the human mind, and that men have a natural tendency to rise from idolatry to theism, and to sink again from theism into idolatry. The vulgar, that is, indeed, all mankind, a few excepted, being ignorant and uninstructed, never elevate their contemplation to the heavens, or penetrate by their disquisitions into the secret structure of vegetable or animal bodies; so far as to discover a supreme mind or original providence, which bestowed order on every part of nature"

A discrepância mais notável é sem dúvida aquela entre "monoteísmo" e "teísmo". Por um lado, Hume opõe ao longo da obra "theism" a politeísmo numa época em que (ao menos até onde eu saiba) não se usava a palavra "monoteísmo", e o "theist" sempre acredita num único deus. Por outro, o teísmo experimental era a filosofia pop da época, e consistia exatamente nas ideias expressas aí: o homem por natureza crê em Deus, que é o providente, e se não acreditar é porque não investigou a natureza direitinho. Mas, ainda por cima, Hume chama não de "theism" só essa tese, mas também a religião dos getas, que acreditavam em Zalmóxis, deus único e muito brabo. Ou seja, "theism" às vezes significa "teísta [newtoniano]" e às vezes "monoteísta". É justamente essa ambiguidade que, permitindo jogar getas, maometanos, zoroastristas e newtonianos no mesmo balaio, servirá para que Hume aponte inconsistências na tese teísta segundo a qual o monoteísta é necessariamente mais refinado do que o pagão.

Aí, só o rodapé salva.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

An Abstract of A Treatise of Human Nature -- Hume

No Brasil, o Resumo foi lançado primeiro numa brochura já esgotada, cuja referência é:

HUME, David. Resumo de Um Tratado da Natureza Humana. Trad. José Sotero Caio e Rachel Gutiérrez. Porto Alegre: Paraula, 1995.

A edição é bilíngue e conta ainda com uma curta introdução de José Sotero Caio com a finalidade de contar a história do Resumo e, com uma perspectiva kantiana, situá-lo na história da filosofia.

A obra aparece também no fim do Tratado da natureza humana, com o título Sinopse de um livro recentemente publicado intitulado Tratado da natureza humana. Eis a referência:

HUME,  David. Tratado da natureza humana. Trad. Déborah Danowski. São Paulo: UNESP, 2009.

Ao cotejo.

J.S. CAIO & R. GUTIÉRREZ: "A primeira proposição que ele adianta é que todas as nossas ideias, ou percepções fracas, derivam de nossas impressões, ou percepções fortes, e que jamais podemos pensar em qualquer coisa que não tenhamos visto fora de nós, ou sentido em nossas próprias mentes. Essa proposição parece equivalente àquela que o Sr. Locke tanto se esforçou em demonstrar, segundo a qual não existem ideias inatas." (p. 47-9)

DANOWSKI: "A primeira proposição que ele apresenta é a afirmação de que todas as nossas ideias, ou seja, todas as nossas percepções fracas, são derivadas de nossas impressões, ou percepções fortes; e nunca podemos pensar em nada que não tenhamos visto fora de nós, ou que não tenhamos sentido em nossa própria mente. Essa proposição parece ser equivalente àquela que o Sr. Locke esforçou-se tanto para estabelecer, a saber, que nenhuma ideia é inata."

D. HUME: "The first proposition he advances, is, that all our ideas, or weak perceptions, are derived from our impressions, or strong perceptions, and that we can never think of any thing that which we have not seen without us, or felt in our own minds. This proposition seems to be equivalent to that which Mr. Locke has taken such pains to establish, viz. that no ideas are innate." (p. 46-8)

domingo, 18 de janeiro de 2015

An Essay Concerning Human Understanding -- Locke

Eu me lembrava de ter visto na sessão Estante do site da ANPOF uma resenha feita pelo próprio tradutor, que na verdade usava o espaço para dizer que a editora lançara sua versão não revisada do Ensaio sobre o entendimento humano sem seu consentimento. Infelizmente, a sessão Estante está fora do ar. As imagens contudo ainda ficam aparecendo na chamada para o link quebrado, e lá está a capa da edição da Martins Fontes (cf. aqui, na parte de baixo do site). O tradutor creditado dessa edição é Pedro Paulo Pimenta. Como não consta no Lattes dele a tradução do Ensaio, então não deve reconhecê-la mesmo.

Há ainda esta tradução que saiu pela Calouste Gulbenkian em dois volumes e já está na 3ª edição. (A propósito, vale futucar no site as possibilidades de desconto na compra) Não coloco o nome do(s) tradutor(es) porque não está especificado aí -- não dá para saber quem é editor, revisor técnico ou tradutor. Se a Dona ABNT mandasse colocar tradutor nas referências, quem sabe eu não achava no Google... Mas não, ela só manda avisar quando você traduz uma citação. Ou seja, você precisa avisar pro leitor que a passagem daquele texto que na referência está em língua estrangeira quem traduziu não foi sua vó não, foi você. Mas quem traduziu uma obra, deixa pra lá.

Bom, edição da Martins Fontes tem oitocentas páginas; a da Calouste, dois gordos volumes. A mais popular por aqui, da Pensadores da Nova Cultural (não da Abril Cultural, mais velha, cuidada e honesta -- cf. ), vem em um único volume de trezentas páginas, com direito a vida e obra. É o tradutor Anoar Aiex, e não o editor, quem tem o cuidado de avisar ao leitor numa notinha discreta que a tradução foi feita com base numa versão abreviada. A abreviação consistiu pelo menos em cortar capítulos; não sei se cortaram parágrafos.

No mais, há esta edição digital gratuita pero no mucho da Saraiva. Quem é o tradutor, só deus sabe.

Trecho para cotejo:

A. Aiex, p. 37 (cap. I na abreviada): "O acordo universal não prova o inatismo. O argumento derivado do acordo universal comporta o seguinte inconveniente: se for verdadeiro que existem certas verdades devido ao acordo entre todos os homens, isto deixará de ser uma prova de que são inatas, se houver outro meio qualquer para mostrar como os homens chegam a uma concordância universal acerca das coisas merecedoras de sua anuência. Suponho que isso pode ser feito."

J. Locke, book I, chapter II, 3: "Universal consent proves nothing innate. -- This argument, drawn from universal consent, has this misfortune in it, that if it were true in matter of fact, that there were certain truths wherein all mankind agreed, it would not prove them innate, if there can be any other way shown, how men may come to that universal agreement in the things they do consent in; which I presume may be done."

sábado, 3 de janeiro de 2015

De re publica -- Cícero

***Post de aniversário de Cícero***

Olhando catálogos de livraria, poderíamos ficar contentes por encontrar edições novinhas em folha da República de Cícero: tem da Edipro e da Kiron à disposição, além de não dever ser difícil encontrar em sebos es edições da Ediouro, da Escala, da Tecnoprint e a da Pensadores (que está no mesmo volume que Lucrécio). Contudo, à improvável exceção da Kiron, que não pôs no catálogo o nome do tradutor, todas estas são da mesma tradução que certo Amador Cisneiros fizera para a extinta Athena Editôra, lá pela década de 30 ou 40. Não deixa de ser digna de nota, devido à história da editora -- que vale ser conhecida e que foi desenterrada aqui. (De antemão, digo que era uma editora esquerdista durante aquela outra ditadura mais velha, que também perseguiu o Barão de Itararé. Às vezes, as traduções eram feitas na cadeia e publicadas sob pseudônimo.)

Para quem queira estudar a República, porém, a versão é um problemão. Antes de entrar no texto propriamente, há o fato de as numerações que dividem os textos clássicos não serem arbitrárias ao editor ou tradutor: elas podem fazer muito pouco sentido porque provêm das páginas de algum pergaminho donde tenham sido copiadas, mas é essa a numeração usada para citar. Amador Cisneiros, ou a Athena, resolveu que a numeração seria de parágrafos, e assim instaura-se a confusão para quem queira cotejar. O tradutor resolveu também interferir no texto de modo que, quando houvesse uma falta do texto algo fragmentário, não parecesse havê-la.

Ademais, a versão traz consigo más notas explicativas. Por exemplo, no livro I, xv, explica-se que Panécio é personagem desconhecida, quando ele é mencionado em outros diálogos de Cícero (cf. pelo menos Ac. II, ii) e sabe-se por aí que era um filósofo estoico romano contemporâneo de Catão. Outro problema: Presumiu que o romano Philus fosse um grego Phílon, quando Phílon se verte para o latim como Philo (gen. Philonis). Philo em português vira Filão ou Fílon; como Marcus vira Marco, Lucius Lúcio e Titus Tito, Philus há de ser Filo. Mas virou Filão, com direito a uma notinha explicando tratar-se de um arquiteto grego! Ele confundiu Lúcio Fúrio Filo, cônsul, com o arquiteto Filão de Bizâncio coisa de cem anos mais velho! Para piorar, às vezes Cícero alude a Filo simplesmente como Lúcio Fúrio, de modo que pareça haver uma pessoa a mais no diálogo.

Além da versão de Cisneiros, pude encontrar:

(1) Esta referência portuguesa: "Cícero, Tratado da República. Tradução do Latim, introdução e notas de Francisco de Oliveira. Lisboa, Círculo de Leitores — Temas e Debates, 2008, 319 pp.; ISBN 978-989-644-011-4". Mas parece ser de circulação restrita, pois não figura em livrarias.
(2) Esta tradução do sonho de Cipião, que é quase todo o livro VI. O tradutor se chama Ricardo da Costa.
(3) Esta outra de Agostinho da Silva, também do Sonho de Cipião.
(4) Esta dissertação de filosofia que consiste na tradução comentada e anotada dos livros I a III. A tradutora se chama Isadora Prévide Bernardo.

Na cuidada edição da Calouste de obras de Cícero, não consta tradução da República.

Agora, trechos para cotejos:

(I, ii, 2)

A. CISNEIROS: Mas não é bastante ter uma arte qualquer sem praticá-la. Uma arte qualquer, pelo menos, mesmo quando não se pratique, pode ser considerada como ciência; mas a virtude afirma-se por completo na prática, e seu melhor uso consiste em governar a República e converter em obras as palavras que se ouvem nas escolas.

I. P. BERNARDO: Não é suficiente, na verdade, ter a virtude, por assim dizer, como uma arte, a menos que se a pratique. Ainda que uma arte não seja praticada, sua ciência pode ser mantida, porém a virtude está posta inteiramente em seu uso; no entanto, sua prática máxima está em governar a ciuitas e não no discurso perfeito nem nas coisas que aqueles proclamam pelos cantos.
[Em nota, ela explica que "aqueles" se refere às escolas sem experiência prática. A propósito, pareceram-me boas as notas, além do português, e como já está com grande parte da obra traduzida, não posso senão torcer para que a termine e publique.]

M. T. CÍCERO: Nec vero habere virtutem satis est quasi artem aliquam, nisi utare; esti ars quidem, cum ea non utare, scientia tamen ipsa teneri potest, virtus in usu sui tota posita est; usus autem eius est maximus civitate gubernatio et earum ipsarum rerum, quas isti in angulis personant, reapse, non oratione perfectio.

(VI, 10)

A. CISNEIROS: Depois de um régio banquete, continuamos conversando a noite toda, sem que aquele ancião falasse de outra coisa a não ser de Cipião, o Africano, de quem recordava não só os feitos, mas também as frases que havia ouvido. Por fim, quando nos retiramos para os nossos quartos, achei-me tão fatigado da viagem e de ter velado a noite toda, que caí logo num sono muito mais profundo do que o de ordinário costumava desfrutar.

R. COSTA:  No dia seguinte, fui recebido com a suntuosidade própria de um rei, quando alargamos a nossa conversa até o início da noite. O ancião-rei não falava de outra coisa a não ser do Africano, quando recordou todas as suas gestas e até suas palavras.

Após interromper a reunião para ir dormir, um sono mais pesado que o de costume me amparou, cansado que estava da viagem, e por ter ficado desperto durante uma boa parte da noite

M. T.CÍCERO: Post autem apparatu regio accepti sermonem in multam noctem produximus, cum senex nihil nisi de Africano loqueretur omniaque eius non facta solum, sed etiam dicta meminisset. Deinde, ut cubitum discessimus, me et de via fessum, et qui ad multam noctem vigilassem, artior, quam solebat, somnus complexus est.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

An Account of Commercium Epistolicum -- Newton

Uau! Não achei nem uma traduçãozinha. Trata-se de artigo onde Newton se defende na célebre picuinha com Leibniz.