segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

De finibus bonorum et malorum -- Cícero

Cotejo duas traduções do de Finibus, uma brasileira e outra portuguesa. Eis as referências:

Do sumo bem e do sumo mal. Trad. Carlos Nougué. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

As últimas fronteiras do bem e do mal in Textos filosóficos. Trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Calouste, 2012.

Como já falamos na postagem sobre Academica, textos pré-imprensa são feitos com base em edições críticas, onde cotejam-se vários manuscritos e, metodicamente, opta-se por uns e não por outros, colocando em notas de rodapé variantes e sugestões de leitura. O tradutor português diz em quem se baseia: na edição de L. D. Reynolds. Assim como o tradutor brasileiro de Academica, Nougué tampouco diz palavra sobre a edição em que se baseia. Porém, há um agravante: ele omitiu as notações mais precisas e mais usadas. Quem queira cotejá-lo ficará em apuros! Há o número dos livros, os trechos grandes numerados em romanos (que não se usam), e os trechos menores numerados em arábico não constam. Para citar, é inutilizável.

Pior ainda é que ele não parece ter se dado conta de que os romanos não são uma numeração literária: os números aparecem em destaque, como se fossem capítulos! Como falei antes, essas numerações são acidentais e físicas, da época em que não existia página pra citar. Há obras de Cícero com um número romano no meio da frase...!

Ao cotejo:

NOUGUÉ, p. 34: "Quando a oração se arrebata como numa torrente, arrastando tudo em seu curso, nada podes compreender, nada reter na memória, nem atalhar o curso rapidíssimo da oração. A primeira regra de toda e qualquer controvérsia racional é que os que disputam convenham entre si acerca de que matéria se tratará.
                                                    
II

"Esta regra de Platão no Fedro aprovou-a Epicuro, reconhecendo que é necessária em qualquer disputa. Mas não viu o que disso forçosamente se deduz. Ele não queria que a coisa se definisse, e sem isto é impossível aos que duvidam chegar a convir na essência da coisa de que se trata. Buscamos o fim dos bens -- e como o podemos buscar, se antes não determinamos o que é este mesmo fim e o que são estes mesmos bens?"

SEGURADO E CAMPOS, p. 289: "Quando o discurso flui como uma torrente, embora se faça menção de toda a espécie de argumentos, não é possível a quem escuta fixar-se em nenhum. Quer dizer, não se consegue dominar o fluxo do discurso.

"Toda a investigação centrada sobre uma dada questão e conduzida segundo uma determinada metodologia deve começar pela delimitação do tema, à maneira do que se faz com as fórmulas <jurídicas> do tipo A MATÉRIA EM CAUSA É A SEGUINTE [nota 58], o que permite aos interlocutores acordarem sobre a matéria de que vão falar.

"Esta regra foi proposta por Platão no Fedro [nota 59]; Epicuro aprovou-a, e mantém o parecer de que toda a discussão deverá observá-la. No entanto não se apercebeu do passo a dar imediatamente. De fato ele recusa-se a a definir os vocábulos que usa, quando pode dar-se o caso de a definição ser imprescindível para haver acordo entre os dialogantes sobre o objeto da discussão, como sucede com o caso que estamos a discutir. Pretendemos averiguar qual é o maior dos bens [nota 60]: poderemos nós descobrir qual é ele se não tivermos chegado a um acordo prévio, quando falamos no limite do bem, sobre o que se entende por 'limite', e o que se entende que seja 'o bem'?"

"Nota 58: Sobre o conceito de fórmula jurídica e a respectiva estrutura, v. Gaio, Instituições -- Direito privado romano [...]/ 59: Platão, Fedro, 237b: 'Seja qual for o tema, meu rapaz, há um ponto prévio que todos devem observar antes de encetarem uma discussão: saberem bem qual matéria vão discutir.'/ 60: Lat. quaerimus... finem bonorum, 'investigamos (qual) o limite, a fronteira, o ponto máximo dos bens.'"

Como a edição de Reynold's, que é a da Coleção Loeb, não está disponível online e eu não tenho esse volume, ponho a do Perseus, que inclusive parece ser a usada por Nougué:

CÍCERO 2.3 - 2.4: "cum enim fertur quasi torrens oratio, quamvis multa cuiusque modi rapiat, nihil tamen teneas, nihil apprehendas, nusquam orationem rapidam cœrceas.

"Omnis autem in quaerendo, quae via quadam et ratione habetur, oratio praescribere primum debet ut quibusdam in formulis, ut, inter quos disseritur, conveniat quid sit id, de quo disseratur.
 
"hoc positum in Phaedro a Platone probavit Epicurus sensitque in omni disputatione id fieri oportere. sed quod proximum fuit non vidit. negat enim definiri rem placere, sine quo fieri interdum non potest, ut inter eos, qui ambigunt, conveniat quid sit id, de quo agatur, velut in hoc ipso, de quo nunc disputamus. quaerimus enim finem bonorum. possumusne hicscire qualis sit,nisi contulerimus inter nos, cum finem bonorum dixerimus, quid finis, quid etiam sit ipsum bonum?"

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