domingo, 28 de dezembro de 2014

De rerum natura -- Lucrécio

Há uma tradução integral, feita por Agostinho da Silva direto do latim. Fez opção pela prosa, o que permite maior fidelidade ao conteúdo do poema de Lucrécio. Está publicada no volume V da Coleção Pensadores, junto com textos de Sêneca, Cícero e Marco Aurélio, a qual, apesar de esgotada, tem ampla circulação. No volume constam ainda notas do tradutor sobre a filosofia do De rerum natura -- cujo título, aliás, foi vertido como "Da natureza".

A tradução poética do Livro VI foi objeto de dissertação de mestrado disponível aqui.

Abaixo, trechos de ambas as traduções para cotejo:

(Livro VI, começando no verso 50)

"Quanto às outras coisas que os mortais vêem acontecer no céu e na terra, quando ficam os espíritos suspensos de pavor, e se humilham os espíritos com o temor dos deuses, e deprimidos se abatem no chão, só a ignorância das causas pode levar a que se transfira para os deuses o governo das coisas e se lhes conceda o seu domínio. Não podem, de modo algum, explicar as causas do que acontece e julgam que tudo sucede por divino poder."

"Já que os homens observaram os eventos do céu
e da terra, receiam, com mentes perplexas,
e humilham suas almas com medo dos deuses --
baixos, se prostram sobre a terra; deste modo,
a ignorância das causas faz crer que são deuses
que detêm o domínio e o poder sobre as coisas.
[Dos fenômenos são incógnitas as causas
e pensam serem feitos pelas mãos dos deuses.]"

"Cetera quae fieri in terris caeloque tuentur
mortales, pavidis cum pendent mentibus saepe
et faciunt animos humilis formidine divom
depressosque premunt ad terram propterea quod
ignorantia causarum conferre deorum
cogit ad imperium res et concedere regnum.
[Quorum operum causas nulla ratione videre
possunt ac fieri divino numine rentur.]"

PS: Quem quiser se induzir ao complexo de vira-latas, clique aqui.
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ATUALIZAÇÃO

Em Portugal saiu nova tradução, integral e em verso. Traz o título mais óbvio, i.e., Da natureza das coisas, e saiu pela Relógio d'Água agora em 2015, feita por Luís Manuel Gaspar Cerqueira. A notícia saiu aqui. Ao mesmo tempo, descobrimos haver uma versão lusa oitocentista -- mas dados dela não encontrei.

sábado, 27 de dezembro de 2014

De la recherche de la vérité -- Malebranche

Encontrei apenas uma tradução da obra para o português, e não é integral. Foi feita por Plínio Junqueira Smith, que acrescentou introdução e notas. Eis a referência:

A Busca da Verdade (Textos escolhidos). São Paulo: Paulus, Discurso, 2004.

A seleção se voltou sobretudo aos Livros I e III. Inclui ainda os Esclarecimentos VI, X, XI e XV, (mas apenas o VI e o XI estão integrais), tendo sido estes escolhidos em função das remissões que constam nos textos escolhidos dos Livros.

Para cotejo:

"Como todo o mundo está de acordo em que os julgamentos temerários são pecados e que todo pecado é voluntário, devemos também estar de acordo em que, nesse caso, é a vontade que julga, ao aquiescer às percepções confusas e compostas do entendimento. Mas, no fundo, essa questão, se é somente o entendimento que julga e que raciocina, parece bastante inútil e somente uma questão verbal. Digo somente o entendimento, pois há em nossos julgamentos a parte que eu lhe deixei, visto que é preciso conhecer ou sentir antes de julgar e consentir." (p. 77)

"Comme tout le monde convient que les jugements téméraires sont des péchés, et que tout péché est volontaire, on doit aussi convenir qu'alors c'est la volonté qui juge en acquiesçant aux perceptions confuses et composées de l'entendement. Mais au fond cette question, si c'est l'entendement seul qui juge et qui raisonne, paraît assez inutile, et seulement une question de nom. Je dis l'entendement seul, car il a dans nos jugements la part que je lui ai laissée, puisqu'il faut connaître ou sentir avant que de juger et de consentir." (Livro I, capítulo II - p. 135 da Vrin)

Sobre a tradução, Plínio Smith diz na página 35: "O francês de Malebranche é bastante fluente e agradável, dispensando um vocabulário técnico. Procurei ser o mais literal possível, mas sem perder de vista a correção do português." Fica aqui, pois, o método usado para traduzir, e os resultados a serem avaliados por quem queira segui-lo. De minha parte, quero notar apenas a opção por traduzir "jugement" por "julgamento" ao invés de "juízo", que é a opção consagrada na literatura filosófica brasileira. Literalidade radical, que mantém a até a pontuação do francês seiscentista, talvez não deva ser sempre considerada virtude, já que dificulta ao leitor identificar um diálogo entre autores, já que todas as versões de Descartes usam "juízo". Ademais, mesmo a opção por "juízo"não era, por assim dizer, anti-literal, já que o "iudicium" latino verte-se para o francês como "jugement" e para o português como "juízo". Ou seja, em última instância optou-se pela versão portuguesa da versão francesa do latim, ao invés de simplesmente optar-se pela consagrada versão portuguesa do latim.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O propósito deste blog

Dada a imensa quantidade de clássicos estrangeiros, é tarefa quase impossível exagerar a importância da tradução para a filosofia no Brasil. Pretende-se aqui, pois, um mapeamento de traduções disponíveis de textos filosóficos para o português, se possível com cotejo, que sirva para nos situarmos quanto às versões de que dispomos de cada texto filosófico -- estejam eles integrais em livros ou dispersos por artigos.

Naturalmente, trata-se de trabalho gigantesco, impossível de ser feito com qualidade por uma pessoa só. Assim, postarei aquilo que eu faça espontaneamente -- a saber, alguns modernos e latinos --, e aceitarei de boníssimo grado a contribuição daqueles que o façam com seus autores estudados.

Como este trabalho de mapear traduções costuma ser feito por cada estudioso e, portanto, sempre que cada um começa a ler um novo autor, tem que fazer o trabalho já feito por outrem, será bem proveitosa uma espécie de banco de informações sobre traduções. Tanto para o estudioso de filosofia, quanto para o simples leitor interessado.