sexta-feira, 8 de maio de 2015

Anotações sobre as cores -- Wittgenstein

*** Post de aniversário do EFG***

Aquele que se aventure a editar obras de Wittgenstein pode deparar-se com hieróglifos avulsos, e seu trabalho não deixa de lembrar o do historiador de antiga que tenha de arrumar fragmentos de modo a reconstituir seu sentido. Em português, há duas versões das suas Anotações sobre as cores:uma portuguesa mais velha, feita por Filipe Nogueira e Maria João Freitas que saiu em 1987 pela 70, e outra de João Carlos Salles, pela UNICAMP em 2009. Num cotejo integral haveria discrepâncias das maiores porque, enquanto os portugueses usam o estabelecimento de G. E.M. Anscombe do texto de Wittgentein, o tradutor brasileiro, que também teve acesso aos tais hieróglifos, fez um novo estabelecimento.

Além de questões historiográficas que levaram à inserção de novos trechos e à reordenação de outros -- isto tudo explicado na Introdução do tradutor --, a versão brasileira traz uma diferença capaz de conquistar a simpatia até do leitor desprevenido: quando o autor pusera várias palavras, anotando umas acima e outras abaixo, sem marcar a decisão por quaisquer delas, o tradutor brasileiro colocou-as todas, deixando a frase indecidida qual o próprio Wittgenstein deixara, separando as opções não-riscadas separadas por barras.

Ao cotejo:

NOGUEIRA & FREITAS: "7. Propõe-se a alguém a tarefa de misturar um certo verde-amarelo (ou verde-azulado) com um menos amarelado (ou azulado) -- ou de escolher entre um conjunto de amostras de cor. Um verde menos amarelado não é, contudo, um verde azulado (e vice-versa), e a tarefa consiste também em escolher ou em misturar um verde que não é amarelado nem azulado. Digo "ou em misturar" porque um verde não se torna simultaneamente azulado e amarelado, pois é produzido por um tipo de mistura de amarelo e azul."

SALLES: "7. // Há verdes mais ou menos azulados (ou amarelados) e há // Há a tarefa de misturar a um dado verde-amarelo [ado] (ou verde-azul [ado]) um menos amarelado (ou azulado) -- ou a de escolher entre várias amostras de cor. Um verde menos amarelado não é porém azulado (e vice-versa), e há também a tarefa de escolher, ou misturar, um verde que não seja amarelado nem azulado. Eu digo "ou de misturar" porque um verde, uma vez produzido através de alguma espécie de mistura de amarelo e azul, não se torna por isso ao mesmo tempo azulado e amarelado."

WITTGENSTEIN: "7. // Es gibt mehr, oder weniger bläuliches (oder gelbliches) Grün und (es) // Es giebt die Aufgabe, zu einem gegebenen Gelbgrün (oder Blaugrün) ein weniger gelbliches (oder bläuliches) zu mischen, -- oder aus einer Anzahl von Farbustern auszuwählen. Ein weniger gelbliches ist aber kein bläuliches Grün (und umgekehrt), und es gibt auch die Aufgabe, ein Grün zu wählen, oder zu mischen, das weder gelblich noch bläulich ist. Ich sage "oder zu mischen", weil ein Grün dadurch nicht zugleich bläulich und gelbich wird, dass es durch eine Art der Mischung von Gelb und Blau zustandekommt."

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Academica -- Cícero

Yes, we have in Brazil uma tradução de Academica, o livro de Cícero voltado a epistemologia e descreve o famoso ceticismo acadêmico (ou não tão famoso -- na verdade, pirrônico está na moda e aí fala-se do acadêmico por tabela). Saiu em 2012, feita por José R. Seabra, professor de latim da USP. Foi bilíngue pela Nova Acrópole e traz o título de Acadêmicas.

Também em 2012, mas mais discretamente, Academica saiu em Portugal no volume Textos filosóficos, de Cícero, pela Calouste. Foi traduzida por J. A. Segurado e Campos, e saiu junto com Paradoxos dos estoicos, os fragmentos do Hortênsio e o de Finibus. Acompanha as traduções ainda uma bela introdução com cronologia, história da vida de Cícero e interpretações filosóficas de cada obra traduzida, além exposição atual do estado da arte -- utilíssima para quem quiser se inteirar do debate filosófico acerca de Cícero.

Obras clássicas costumam ter múltiplos estabelecimentos, cada edição com suas notinhas apontando as versões escolhidas dentre manuscritos, incluindo palpites próprios e dos predecessores sobre possíveis erros dos monges copistas. A praxe por aqui, mesmo sem colocar créditos, é usar os estabelecimentos que a Leob Classical Library escolhera. Vejo que a versão usada pelo tradutor brasileiro é a mesma que está no site Perseus, que é a de Otto Plasberg. No meu volume Loeb, editado por Rackham (1932), este fala da existência das edições de John Smith Reid (1884 -- disponível aqui) e de Otto Plasberg (1922 -- disponível aqui). A discrepância entre as duas que notei logo foi que na primeira, bem parecida com a de Rackham, está em I, i, 1: "... atque illum complexi ut mos amicorum est, satis eum longo intervallo ad suam villam reduximus"; e na segunda, assemelhada ao que está no Perseus: "... atque illum complexi, ut mos amicorum est (satis enim longo intervallo **), ad suam villam reduximus." Enfim, senti falta, na tradução brasileira, de alguma observação sobre a edição. Segurado e Campos, por sua vez, anuncia desde a introdução quais são as edições usadas em cada tradução, apontando a de Plasberg para Academica; além disso, tem o mérito de sopesar edições e, quando divergir de Plasberg, pôr nota e explicar a divergência. De resto, cabe apontar uma sigularidade sua: por ter posto os textos todos em ordem cronológica, pôr o Luculo antes do Livro I. É que Academica foi escrita duas vezes: só o último livro dos dois da primeira edição, chamado Lucullus, sobreviveu; ao passo que da segunda, dividida em quatro livros, sobreviveu apenas o primeiro. Daí o costume editorial ser colocar primeiro o livro I, lastimar a falta do II (ou a falta do Catulus, que teria na primeira edição o conteúdo dos livros I e II) e suprir o III e o IV com o Lucullus.

Ao cotejo de Ac, I, i, 3:

SEABRA: "E eu digo: 'Decerto essas obras, Varrão, eu já há muito tempo  expectante não ouso todavia suplicar; ouvi efetivamente da parte de nosso Libão, cuja afeição conheces (pois nada podemos ocultar desse tipo de coisa), que tu as não interrompes, mas delas tratas mais acuradamente e nem uma vez largas das mãos.

SEGURADO E CAMPOS: "'Há bastante tempo, Varrão' -- disse eu --, 'que aguardo esse trabalho, mas não ouso perguntar-te por ele; de resto ouvi nosso amigo Libão, cujos interesses bem conheces, dizer que tu (pois informações destas não é possível esconder) não só não interrompeste o trabalho, mas antes continua a aprofundá-lo com afinco, sem o largar nunca das mãos.

CÍCERO (Plasberg): "Et ego: 'Ista quidem, inquam, Varro iam diu expectans non audeo flagitare; audiui enim e Libone nostro, cuius nosti studium (nihil eius modi celare possumus), non te ea intermittere, sed accuratius tractare nec de manibus unquam deponere.

Agora, Ac. I, ii, 7:

SEABRA: "Ou caso a Zenão sigas, é importante fazer que alguém entenda que é que seja aquele verdadeiro e simples bem que não possa ser separado da honestidade (esse bem qual seja Epicuro nega absolutamente sequer supor sem os moventes prazeres dos sentidos); mas se seguirmos inteiramente a Antiga Academia que nós, como sabes, aprovamos, quão agudamente deverá ser ela explicada por nós, quão argutamente, e quão dissimuladamente até, contra os estoicos se deva dissertar."

SEGURADO E CAMPOS: "Mesmo a um seguidor de Zenão já se torna difícil fazer entender aos leigos em que consiste esse bem verdadeiro e simples, e inseparável do valor moral (bem esse que Epicuro nega poder ser definido, ou sequer conjecturado, sem recurso aos prazeres que afectam os sentidoos). Se arguirmos a teoria da Antiga Academia, que tu sabes ser a adoptada por mim, que perspicácia não é precisa para a explicitarmos bem, que argúcia e profundidade não se exige de nós para argumentarmos contra os Estoicos!"

CÍCERO: "Siue enim Zenonem sequare, magnum est efficere ut quis intellegat quid sit illud uerum et simplex bonum quod non possit ab honestate seiungi (quod bonum quale sit negat omnino Epicurus se sine uoluptatibus sensum mouentibus ne suspicari quidem); si uero Academiam ueterem persequemur, quam ut scis probamus, quam erit illa acute explicanda nobis, quam argute quam obscure etiam contra Stoicos disserendum."

Acho que estes cotejos dão o que pensar a quem defenda a literalidade acima de tudo.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

An Enquiry concerning Human Understanding -- Hume

A primeira versão lusófona parece ser apenas de 1973, pela Pensadores capa azul, no volume "Berkeley e Hume". Foi feita por Leonel Vallandro, tradutor literário do inglês. Em Portugal, a mais velha parece ser a de Artur Morão pela 70 em 1989. Depois, em 1999, vieram as de Anoar Aiex e José Oscar de Almeida Marques: o primeiro numa versão mais nova da Pensadores, onde Hume ganhou um volume só para si e apresentação de João Paulo Monteiro, o segundo pela UNESP, reimpressa junto com a Investigação sobre os princípios da moral em 2004. Saiu em 2002 pela Imprensa Nacional uma do próprio João Paulo Monteiro. Há ainda as de Alexandre Amaral Rodrigues, lançada pela Hedra em 2009, e existe uma da Escala em cujo catálogo não figuram tradutor ou ano. Todas as traduções têm o título "Investigação sobre o entendimento humano", exceto a de Aiex, que é "Investigação acerca do entendimento humano".

Eis, para cotejo, trechos das traduções a que tive acesso. É do parágrafo 11 da seção I.

VALLANDRO: No entanto, objeta-se que essa obscuridade da filosofia profunda e abstrata não só é penosa e fatigante, mas também uma fonte inevitável de incerteza e erro. Nisto reside, com efeito, a mais plausível e justa objeção contra uma parte considerável da metafísica: a de que ela não é propriamente uma ciência, mas, ou decorre dos infrutíferos esforços da vaidade humana que pretende penetrar à força em assuntos completamente inacessíveis ao nosso entendimento, ou dos ardis das superstições populares, que, incapazes de defender-se em luta leal, levantam essas barreiras para enredar o adversário e cobrir e proteger a sua própria fraqueza. Expulsos do campo aberto aberto, esses salteadores refugiam-se na floresta e procuram tomar de surpresa todas as vias de acesso desprotegidas do intelecto e apoderar-se delas com o socorro dos temores e preconceitos religiosos.

MORÃO: Impugna-se, porém, esta obscuridade na filosofia profunda e abstrata não só enquanto difícil e fatigante, mas enquanto fonte inevitável da incerteza e do erro. Aqui reside, de fato, a objeção mais justa e mais plausível contra uma considerável parte da metafísica, que não é verdadeiramente uma ciência, mas brota ou dos esforços infrutíferos da vaidade humana, que penetraria em matérias totalmente inacessíveis ao entendimento, ou da esperteza das superstições populares que, sendo incapazes de se defender a si mesmos de um modo justo, suscitam este emaranhado de silvas para ocultar e proteger suas fraquezas. Expulsos do campo aberto, estes ladrões fogem para a floresta e ficam à espera para irromperem em todos os caminhos não guardados da mente e a oprimirem com temores e preconceitos religiosos.

MARQUES: O que se objeta, porém, à obscuridade da filosofia profunda e abstrata não é simplesmente que seja penosa e fatigante, mas que seja fonte inevitável de erro e incerteza. Aqui, de fato, repousa a objeção mais justa e plausível a uma parte considerável dos estudos metafísicos: que eles não são propriamente uma ciência, mas provêm ou dos esforços frustrados da vaidade humana, que desejaria penetrar em assuntos completamente inacessíveis ao entendimento, ou da astúcia das superstições populares, que incapazes de se defender em campo aberto, cultivam essas sarças espinhosas impenetráveis para dar cobertura e proteção a suas fraquezas. Expulsos do terreno desimpedido, esses salteadores fogem para o interior da floresta e lá permanecem à espera de uma oportunidade para irromper sobre qualquer caminho desguarnecido da mente e subjugá-lo com temores e preconceitos religiosos.
[Note-se que, nesta versão, são "avenues" que se subjugam, não "the mind".]

AIEX: Mas, objeta-se, a obscuridade da filosofia profunda e abstrata não é apenas penosa e fatigante, como também é uma fonte inevitável de incerteza e de erro. Na verdade, esta é a objeção mais justa e mais plausível contra uma parte considerável da metafísica, que não constitui propriamente uma ciência, mas nasce tanto pelos esforços estéreis da vaidade humana que queria penetrar em recintos completamente inacessíveis ao entendimento humano, como pelos artifícios das superstições populares que, incapazes de se defenderem lealmente, constroem essas sarças emaranhadas para cobrir e proteger suas fraquezas. Perseguidos em campo aberto, estes salteadores correm para a floresta e põem-se de emboscada para surpreender toda avenida desguarnecida do espírito, a fim de dominá-lo com temores e preconceitos religiosos.

MONTEIRO: Mas aquilo que se objeta à obscuridade da filosofia profunda e abstrata não é simplesmente que seja penosa e fatigante, mas que seja uma fonte inevitável de erros e incertezas. Aqui, de fato, assenta a objeção mais justa e plausível a uma parte considerável da metafísica, que ela não é propriamente uma ciência, mas ou deriva dos esforços infrutíferos da vaidade humana, que gostaria de penetrar em assuntos completamente inacessíveis ao entendimento, ou da astúcia das superstições populares que, sendo incapazes de se defenderem em campo aberto, cultivam todos esses espinhos emaranhados para esconder e proteger suas fraquezas. Expulsos do campo aberto, esses salteadores fogem para a floresta e ficam à espera de uma oportunidade para invadir qualquer avenida desprotegida do espírito, para o subjugarem com temores e preconceitos religiosos.

HUME: But this obscurity, in the profound and abstract philosophy, is objected to, not only as painful and fatiguing, but as the inevitable source of uncertainty and error. Here, indeed, lies justest and most plausible objection against a considerable part of metaphysics, that they are not properly a science; but arise, either from the fruitless efforts of human vanity, which would penetrate into subjects utterly inaccessible to the understanding, or from the craft of popular superstitions, which, being unable to defend themselves on fair ground, raise these entangling brambles to cover and protect their weakness. Chased from the open coutry, these robbers fly into the forest, and lie in wait to break in upon every unguarded avenue from the mind, and overwhealm it with religious fears and prejudices.

Escolhi este trecho com a curiosidade de ver se algum tradutor colocaria "robbers" no feminino, já que são-no as "supperstitions".

sábado, 24 de janeiro de 2015

The Natural History of Religion -- Hume

Eis as referências das versões lusa e brasileira do livro:

HUME, David. História natural da religião in ______. Obras sobre religião. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. Tradução de Pedro Galvão.

HUME, David. História natural da religião. São Paulo: UNESP, 2005. Tradução de Jaimir Conte.

A propósito, são ambos os tradutores, de lá e cá, ex-orientandos de João Paulo Monteiro. A edição portuguesa vem com uma introdução sua e a outra obra que compõe o volume são os Diálogos sobre a religião natural. A de Jaimir Conte tem uma introdução feita por ele próprio e tem ainda notas explicativas.

Ao cotejo:

GALVÃO: "Seção VIII -- Fluxo e refluxo do politeísmo e do teísmo
É notável que os princípios da religião tenham uma espécie de fluxo e refluxo na mente humana, e que os homens possuam uma tendência natural para progredir da idolatria ao teísmo, e para recuar novamente do teísmo à idolatria. Os homens vulgares, ou melhor, toda a humanidade excepto algumas pessoas, sendo ignorantes e incultos, nunca elevam a sua contemplação aos céus ou penetram, através das suas disquisições, na estrutura secreta dos corpos vegetais ou animais a ponto de descobrirem uma mente suprema ou uma providência original que tenha ordenado todas as partes da natureza."

CONTE: "Seção 8 -- Fluxo e refluxo do politeísmo e do monoteísmo
Deve-se assinalar que os princípios religiosos sofrem uma espécie de fluxo e refluxo no espírito humano, e que os homens têm uma tendência natural de elevar-se da idolatria para o monoteísmo, e de recair de novo do monoteísmo para a idolatria. O vulgo, ou seja, na verdade todos os homens exceto uns poucos, por falta de conhecimento e de instrução, nunca levantam os olhos para o céu, nem investigam a estrutura oculta dos vegetais e dos corpos dos animais, a ponto de chegar a descobrir um espírito supremo ou uma providência originária que conferiu ordem a todas as partes da natureza."

HUME: "VIII   FLUX AND REFLUX OF POLYTHEISM AND THEISM
It is remarkable, that the principles of religion have a kind of flux and reflux in the human mind, and that men have a natural tendency to rise from idolatry to theism, and to sink again from theism into idolatry. The vulgar, that is, indeed, all mankind, a few excepted, being ignorant and uninstructed, never elevate their contemplation to the heavens, or penetrate by their disquisitions into the secret structure of vegetable or animal bodies; so far as to discover a supreme mind or original providence, which bestowed order on every part of nature"

A discrepância mais notável é sem dúvida aquela entre "monoteísmo" e "teísmo". Por um lado, Hume opõe ao longo da obra "theism" a politeísmo numa época em que (ao menos até onde eu saiba) não se usava a palavra "monoteísmo", e o "theist" sempre acredita num único deus. Por outro, o teísmo experimental era a filosofia pop da época, e consistia exatamente nas ideias expressas aí: o homem por natureza crê em Deus, que é o providente, e se não acreditar é porque não investigou a natureza direitinho. Mas, ainda por cima, Hume chama não de "theism" só essa tese, mas também a religião dos getas, que acreditavam em Zalmóxis, deus único e muito brabo. Ou seja, "theism" às vezes significa "teísta [newtoniano]" e às vezes "monoteísta". É justamente essa ambiguidade que, permitindo jogar getas, maometanos, zoroastristas e newtonianos no mesmo balaio, servirá para que Hume aponte inconsistências na tese teísta segundo a qual o monoteísta é necessariamente mais refinado do que o pagão.

Aí, só o rodapé salva.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

An Abstract of A Treatise of Human Nature -- Hume

No Brasil, o Resumo foi lançado primeiro numa brochura já esgotada, cuja referência é:

HUME, David. Resumo de Um Tratado da Natureza Humana. Trad. José Sotero Caio e Rachel Gutiérrez. Porto Alegre: Paraula, 1995.

A edição é bilíngue e conta ainda com uma curta introdução de José Sotero Caio com a finalidade de contar a história do Resumo e, com uma perspectiva kantiana, situá-lo na história da filosofia.

A obra aparece também no fim do Tratado da natureza humana, com o título Sinopse de um livro recentemente publicado intitulado Tratado da natureza humana. Eis a referência:

HUME,  David. Tratado da natureza humana. Trad. Déborah Danowski. São Paulo: UNESP, 2009.

Ao cotejo.

J.S. CAIO & R. GUTIÉRREZ: "A primeira proposição que ele adianta é que todas as nossas ideias, ou percepções fracas, derivam de nossas impressões, ou percepções fortes, e que jamais podemos pensar em qualquer coisa que não tenhamos visto fora de nós, ou sentido em nossas próprias mentes. Essa proposição parece equivalente àquela que o Sr. Locke tanto se esforçou em demonstrar, segundo a qual não existem ideias inatas." (p. 47-9)

DANOWSKI: "A primeira proposição que ele apresenta é a afirmação de que todas as nossas ideias, ou seja, todas as nossas percepções fracas, são derivadas de nossas impressões, ou percepções fortes; e nunca podemos pensar em nada que não tenhamos visto fora de nós, ou que não tenhamos sentido em nossa própria mente. Essa proposição parece ser equivalente àquela que o Sr. Locke esforçou-se tanto para estabelecer, a saber, que nenhuma ideia é inata."

D. HUME: "The first proposition he advances, is, that all our ideas, or weak perceptions, are derived from our impressions, or strong perceptions, and that we can never think of any thing that which we have not seen without us, or felt in our own minds. This proposition seems to be equivalent to that which Mr. Locke has taken such pains to establish, viz. that no ideas are innate." (p. 46-8)

domingo, 18 de janeiro de 2015

An Essay Concerning Human Understanding -- Locke

Eu me lembrava de ter visto na sessão Estante do site da ANPOF uma resenha feita pelo próprio tradutor, que na verdade usava o espaço para dizer que a editora lançara sua versão não revisada do Ensaio sobre o entendimento humano sem seu consentimento. Infelizmente, a sessão Estante está fora do ar. As imagens contudo ainda ficam aparecendo na chamada para o link quebrado, e lá está a capa da edição da Martins Fontes (cf. aqui, na parte de baixo do site). O tradutor creditado dessa edição é Pedro Paulo Pimenta. Como não consta no Lattes dele a tradução do Ensaio, então não deve reconhecê-la mesmo.

Há ainda esta tradução que saiu pela Calouste Gulbenkian em dois volumes e já está na 3ª edição. (A propósito, vale futucar no site as possibilidades de desconto na compra) Não coloco o nome do(s) tradutor(es) porque não está especificado aí -- não dá para saber quem é editor, revisor técnico ou tradutor. Se a Dona ABNT mandasse colocar tradutor nas referências, quem sabe eu não achava no Google... Mas não, ela só manda avisar quando você traduz uma citação. Ou seja, você precisa avisar pro leitor que a passagem daquele texto que na referência está em língua estrangeira quem traduziu não foi sua vó não, foi você. Mas quem traduziu uma obra, deixa pra lá.

Bom, edição da Martins Fontes tem oitocentas páginas; a da Calouste, dois gordos volumes. A mais popular por aqui, da Pensadores da Nova Cultural (não da Abril Cultural, mais velha, cuidada e honesta -- cf. ), vem em um único volume de trezentas páginas, com direito a vida e obra. É o tradutor Anoar Aiex, e não o editor, quem tem o cuidado de avisar ao leitor numa notinha discreta que a tradução foi feita com base numa versão abreviada. A abreviação consistiu pelo menos em cortar capítulos; não sei se cortaram parágrafos.

No mais, há esta edição digital gratuita pero no mucho da Saraiva. Quem é o tradutor, só deus sabe.

Trecho para cotejo:

A. Aiex, p. 37 (cap. I na abreviada): "O acordo universal não prova o inatismo. O argumento derivado do acordo universal comporta o seguinte inconveniente: se for verdadeiro que existem certas verdades devido ao acordo entre todos os homens, isto deixará de ser uma prova de que são inatas, se houver outro meio qualquer para mostrar como os homens chegam a uma concordância universal acerca das coisas merecedoras de sua anuência. Suponho que isso pode ser feito."

J. Locke, book I, chapter II, 3: "Universal consent proves nothing innate. -- This argument, drawn from universal consent, has this misfortune in it, that if it were true in matter of fact, that there were certain truths wherein all mankind agreed, it would not prove them innate, if there can be any other way shown, how men may come to that universal agreement in the things they do consent in; which I presume may be done."

sábado, 3 de janeiro de 2015

De re publica -- Cícero

***Post de aniversário de Cícero***

Olhando catálogos de livraria, poderíamos ficar contentes por encontrar edições novinhas em folha da República de Cícero: tem da Edipro e da Kiron à disposição, além de não dever ser difícil encontrar em sebos es edições da Ediouro, da Escala, da Tecnoprint e a da Pensadores (que está no mesmo volume que Lucrécio). Contudo, à improvável exceção da Kiron, que não pôs no catálogo o nome do tradutor, todas estas são da mesma tradução que certo Amador Cisneiros fizera para a extinta Athena Editôra, lá pela década de 30 ou 40. Não deixa de ser digna de nota, devido à história da editora -- que vale ser conhecida e que foi desenterrada aqui. (De antemão, digo que era uma editora esquerdista durante aquela outra ditadura mais velha, que também perseguiu o Barão de Itararé. Às vezes, as traduções eram feitas na cadeia e publicadas sob pseudônimo.)

Para quem queira estudar a República, porém, a versão é um problemão. Antes de entrar no texto propriamente, há o fato de as numerações que dividem os textos clássicos não serem arbitrárias ao editor ou tradutor: elas podem fazer muito pouco sentido porque provêm das páginas de algum pergaminho donde tenham sido copiadas, mas é essa a numeração usada para citar. Amador Cisneiros, ou a Athena, resolveu que a numeração seria de parágrafos, e assim instaura-se a confusão para quem queira cotejar. O tradutor resolveu também interferir no texto de modo que, quando houvesse uma falta do texto algo fragmentário, não parecesse havê-la.

Ademais, a versão traz consigo más notas explicativas. Por exemplo, no livro I, xv, explica-se que Panécio é personagem desconhecida, quando ele é mencionado em outros diálogos de Cícero (cf. pelo menos Ac. II, ii) e sabe-se por aí que era um filósofo estoico romano contemporâneo de Catão. Outro problema: Presumiu que o romano Philus fosse um grego Phílon, quando Phílon se verte para o latim como Philo (gen. Philonis). Philo em português vira Filão ou Fílon; como Marcus vira Marco, Lucius Lúcio e Titus Tito, Philus há de ser Filo. Mas virou Filão, com direito a uma notinha explicando tratar-se de um arquiteto grego! Ele confundiu Lúcio Fúrio Filo, cônsul, com o arquiteto Filão de Bizâncio coisa de cem anos mais velho! Para piorar, às vezes Cícero alude a Filo simplesmente como Lúcio Fúrio, de modo que pareça haver uma pessoa a mais no diálogo.

Além da versão de Cisneiros, pude encontrar:

(1) Esta referência portuguesa: "Cícero, Tratado da República. Tradução do Latim, introdução e notas de Francisco de Oliveira. Lisboa, Círculo de Leitores — Temas e Debates, 2008, 319 pp.; ISBN 978-989-644-011-4". Mas parece ser de circulação restrita, pois não figura em livrarias.
(2) Esta tradução do sonho de Cipião, que é quase todo o livro VI. O tradutor se chama Ricardo da Costa.
(3) Esta outra de Agostinho da Silva, também do Sonho de Cipião.
(4) Esta dissertação de filosofia que consiste na tradução comentada e anotada dos livros I a III. A tradutora se chama Isadora Prévide Bernardo.

Na cuidada edição da Calouste de obras de Cícero, não consta tradução da República.

Agora, trechos para cotejos:

(I, ii, 2)

A. CISNEIROS: Mas não é bastante ter uma arte qualquer sem praticá-la. Uma arte qualquer, pelo menos, mesmo quando não se pratique, pode ser considerada como ciência; mas a virtude afirma-se por completo na prática, e seu melhor uso consiste em governar a República e converter em obras as palavras que se ouvem nas escolas.

I. P. BERNARDO: Não é suficiente, na verdade, ter a virtude, por assim dizer, como uma arte, a menos que se a pratique. Ainda que uma arte não seja praticada, sua ciência pode ser mantida, porém a virtude está posta inteiramente em seu uso; no entanto, sua prática máxima está em governar a ciuitas e não no discurso perfeito nem nas coisas que aqueles proclamam pelos cantos.
[Em nota, ela explica que "aqueles" se refere às escolas sem experiência prática. A propósito, pareceram-me boas as notas, além do português, e como já está com grande parte da obra traduzida, não posso senão torcer para que a termine e publique.]

M. T. CÍCERO: Nec vero habere virtutem satis est quasi artem aliquam, nisi utare; esti ars quidem, cum ea non utare, scientia tamen ipsa teneri potest, virtus in usu sui tota posita est; usus autem eius est maximus civitate gubernatio et earum ipsarum rerum, quas isti in angulis personant, reapse, non oratione perfectio.

(VI, 10)

A. CISNEIROS: Depois de um régio banquete, continuamos conversando a noite toda, sem que aquele ancião falasse de outra coisa a não ser de Cipião, o Africano, de quem recordava não só os feitos, mas também as frases que havia ouvido. Por fim, quando nos retiramos para os nossos quartos, achei-me tão fatigado da viagem e de ter velado a noite toda, que caí logo num sono muito mais profundo do que o de ordinário costumava desfrutar.

R. COSTA:  No dia seguinte, fui recebido com a suntuosidade própria de um rei, quando alargamos a nossa conversa até o início da noite. O ancião-rei não falava de outra coisa a não ser do Africano, quando recordou todas as suas gestas e até suas palavras.

Após interromper a reunião para ir dormir, um sono mais pesado que o de costume me amparou, cansado que estava da viagem, e por ter ficado desperto durante uma boa parte da noite

M. T.CÍCERO: Post autem apparatu regio accepti sermonem in multam noctem produximus, cum senex nihil nisi de Africano loqueretur omniaque eius non facta solum, sed etiam dicta meminisset. Deinde, ut cubitum discessimus, me et de via fessum, et qui ad multam noctem vigilassem, artior, quam solebat, somnus complexus est.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

An Account of Commercium Epistolicum -- Newton

Uau! Não achei nem uma traduçãozinha. Trata-se de artigo onde Newton se defende na célebre picuinha com Leibniz.